Era uma sábado a tarde, era uma tarde quente. Eu estava na integração esperando um “Terminais BR”. A fila na plataforma, como quase sempre, estava enorme. Eu acabara de chegar ao final da fila quando o ônibus chegou, mas já imaginava que talvez não desse pra entrar. Mais uns vinte minutos, e eu já não era mais uma das primeiras pessoas da fila, um grupo já se acumulava ali na frente, se preparando pra hora da partida. Aquele desespero, eu já imaginava como faria pra entrar no ônibus sem sofrer um mínimo arranhão. Calculava e ficava cada vez mais preocupada, a quantidade de pessoas tava aumentando mais e mais, e elas estavam cada vez mais estressadas porque o ônibus demorava muito. Ao mesmo tempo ainda ouvia algumas conversas. Um senhor ao meu lado meio estranho, com uma galocha, uma caixa de ferramentas e, pendurado no pescoço, um sujo avental de couro que jogava pra trás, dizia que era o Superman , levantava o braço como se fosse voar, como se estivesse brincando com criança. Eu ouvia, mas nem dei atenção. No começo achei que ele fosse louco, mas depois vi que ele só não era muito normal. À minha frente, duas fura-fila reclamavam do ônibus que não vinha, uma dizia que precisava chegar em casa pois tinha muito serviço pra fazer. Ouvindo isso, o Superman disse “É tem que trabalhar. A VIDA É DURA PRA QUEM DÁ MOLE. Eu não tenho emprego fixo, faço bicos. Mas ainda consigo tirar mais que muita gente que trabalha de carteira assinada; ainda consigo mais que um salário mínimo.” As mulheres só olharam pra ele e viraram a cara o ignorando, eu só pensava naquela situação. Uma terceira pessoa, um rapaz magro, baixo, novo, mas de aparência sofrida respondeu “Siô o que dá dinheiro é soldador”. O Superman falou : “rapaz, eu recebi 50 conto hoje trabalhando na casa de um barão pra banda daqui”. Disse ele apontando. O rapaz insistiu “Siô, mas o que dá dinheiro é trabalhar com solda. Outro dia tive que mandar botar solda num carro da empresa e o cara cobrou 150 pau pra colocar só uma bestêrinha”. Daí desengatou uma breve conversa, falaram sobre tipos de solda, o que dava mais dinheiro, o Supermem contou brevemente o que ele fazia, sempre enfatizando que ele se dava bem porque trabalhava “direitinho”. E de repente a conversa parou, nada de ônibus. Eles simplesmente se calaram, assim do nada. Para a minha tristeza, eu já estava mais distraída, já tinha esquecido o medo de ser pisoteada na hora entrar no ônibus. Finalmente veio um busão, que parou muito depois da plataforma, o que favoreceu a “muvuca” que já tava aglomerada mais na frente, uma briga, um “empurra-purra”. Muita gente ficou de fora. Mais atrás viria um ônibus que não dava pra todo mundo que estava ali, não ficaria tão lotado, e dava pra mim. Antes que o ônibus chegasse ainda escutei uma ultima “palavra” do rapaz que, em voz alta, disse: “Cuida ônibus, vem logo. CUIDA QUE EU TÔ ENFARDADO DE TRABALHAR”. Eu acabei deixando escapar um risinho no canto da boca, mas foram palavras que me fizeram refletir por horas.