Depois de ter conseguido
fechar todo o relatório e ter enviado para o chefe, agora sim, ela poderia dar
aquela pausa e tomar aquela casquinha gelada. Tomou banho, trocou de roupa,
passou um pó, o rímel, gloss, perfume suave e pronto. A melhor sorveteria
do bairro, quiçá da cidade, ficava a quatro quadras da sua casa, já era uma
caminhada, e apesar de parecer uma preguiçosa sedentária por estar acima do peso, ela gostava
disso. Era carnaval, o bairro estava tranquilo e deserto, mas a sorveteria
nunca fechava. Ao chegar, aquela “boa taaarde” calorosa com o sorriso carismático
do seu Wilson já a fazia esquecer o cansaço de toda semana. Seu Wilson era um
bom senhor que aparentava ser pouco menos 10 anos mais velho que Alice, que
tinha 34. Era sempre bom sentar no balcão e ouvir uma de suas histórias
engraçadas de quando era criança. O seu Wilson era diferente, era engraçado, um
homem bom de coração. Um homem diferente dos outros homens. Era gentil com
todos e parecia não ter maldade. Tinha um ar de ingênuo no olhar que encantava
Alice. Ela sempre se perguntara porque ele nunca havia casado. Certamente por
que não tivesse muitos mistérios, muitas dores, talvez porque sempre foi um bom
ouvinte para mulheres com dor de cotovelos e até um ótimo conselheiro, talvez
porque ele não fosse bonito, elegante. Talvez pelo simples fato de não ser um
galanteador, de ser um homem simples, fácil de entender, um homem aberto, alegre,
acima do peso. Talvez porque não fosse rico e nem tivesse grandes ambições. Huuum...
gay? Não, ele não tinha nada de gay, mas também não fazia o tipo “tarado”, era
um homem sozinho, que como ela, parecia nunca ter antes experimentado dos
prazeres da carne, ele era ingênuo, puro, não era um observador típico de curvas femininas, e isso a encantava muito. – Seu Wilson, o
meu predileto, por favor. Alice era como ele, aberta, alegre, falava sobre as
coisas simples. Eles nunca falavam sobre relacionamentos, não havia intimidade
para isso. Além do mais, assim como ele, ela sempre se privava de alguns
assuntos, o que muitas vezes os fazia parecer “pessoas fechadas”. Como ele, ela
tinha uma vida média, era assistente administrativo na Secretaria de Meio
Ambiente, mas nunca falava sobre os assuntos de trabalho. As conversas com seu
Wilson eram sempre sobre as mesmas coisas... novelas, futebol, lugares/
viagens, fatos atuais, um pouco de política e até economia. Ela degustava seu
sorvete, como uma criança, enquanto ouvia seu Wilson falar da novela, apenas
concordava balançando a cabeça. A sua concentração parecia estar apenas no
sorvete. Mas enquanto degustava ela pensava no Seu Wilson... sem expressar nada
de seus pensamentos... ah ele jamais pensaria nela daquela forma; pelo modo
como se tratavam, pelas conversas que tinham, pela falta de interesse de um
pela vida do outro, pensava Alice. – Menina, pare de chorar. Já chega de
sorvete! E não adianta por que não pagarei outro, você deixou cair porque quis
e já tinha comido a metade. Quer ficar gorda? Pare de chorar! Você vai ficar
uma sapona de gorda se comer mais, já chega, vamos embora! Dizia uma mulher a
uma criança que aparentava ter seus 5 anos. Elas estavam numa mesa do canto, um
pouco distante do balcão, mas Alice e seu Wilson eram observadores demais e
pareciam prestar atenção em tudo, mesmo enquanto estavam conversando. – Ei menina,
pegue um pouco mais de sorvete, é o meu brinde para você parar de chorar!. –
Não, obrigada seu Wilson. E a menina aumentou o volume do choro. –pare de
chorar filha! Tah vendo aquela moça sentada no balcão? Tá gorda só de comer
sorvete. Cê quer ficar assim? Vai ficar uma sapa, só de gorda, ninguém vai
querer casar com você! A mãe sussurrou enquanto puxava a filha para fora,
acreditando que apenas ela estava ouvindo. Alice olhou para trás, tentando ver
as duas que ja tinham dado as costas, ela volta então seu olhar para frente. E encara o olhar do seu Wilson
com os olhos já encharcados. –Oh nãão... Alice... não dê ouvidos. Com o olhar condescendente
e quase encharcando de lagrimas, também, seu Wilson daria tudo pra não vê-la
assim, sai de trás do balcão, e lhe pega no colo. Aquele abraço era tudo o que Alice
precisava naquele momento, aquele bigode roçando a sua testa ainda ficaria na
lembrança por um bom tempo, talvez ainda até desejasse outros momentos ruins
naquela sorveteria, só pra estar nos braços do seu Wilson, o ouvindo dizer que ela era linda.