Era uma quinta-feira, não como as outras. Marina já
estava a seis meses trabalhando no interior, cidadezinha calma, trabalho
tranquilo, aquela chata amiga que sempre abusava da calma e boa vontade dela. Agora
já tinha umas outras, do outro setor, mas com quem conseguia conversar
tranquilamente. Depois do último trauma, havia evitado conhecer, falar com
caras que se parecessem com seu ex. Às vezes achava que não iria mais encontrar
alguém com quem quisesse dividir uma vida, com quem quisesse ficar abraçada por
horas, sem dizer nada. Com quem quisesse estar nas últimas horas sem pensar em
mais nada. E até de sentir isso ela sentia falta. Mas aquele convite poderia
lhe acender um pouco de esperança, embora ela não encarasse assim. Ele era só o
motorista, e o que os pais dela pensariam? Ela, formada, num emprego medíocre
de concurso público, numa cidadezinha medíocre, poderia ao menos namorar um
defensor dalí, um advogado que estivesse por ali... ou até alguém no mesmo
cargo, com o mesmo grau de instrução. Mas foi de um motorista que ela chamou
atenção. Não sejamos injustos, não foi só do motorista, mas não conta o
administrativo do outro setor porque tinha algo que lembrava o ex, ela não sabe
se era a pose, algum traço, o corte de cabelo, talvez. Não sabia definir o que
era, talvez fosse o jeito de chegar, o que com certeza diminuiu as chances com Marina.
O motorista era sorridente, um pouco tímido, mas alegre, não tão bonito, não
era alguém que chamasse atenção. Um pouco gentil e calado, ao mesmo tempo.
Ficava admirando Marina de longe, ela fingia não perceber, assim se sentia mais
a vontade pra engatar uma conversa com ele sempre que a levava para casa.
Marina nunca foi de tomar iniciativa, mas quase que de forma impulsiva, ela
estava conquistando ele. Um sorriso, uma atenção especial. Não se pode definir
se estava conquistando, ou se estava encantada. E naquela onda de atenções e
sorrisos bobos, ele a convidara para sair. - Já foi no "Diplomata"? .
- Ainda não, saio pouco aqui, já comi no Careca, nada fino (risos). Sempre saio
com as meninas do protocolo. - Pois vamos hoje comer alguma coisa depois do
expediente, ou se você preferir um pouco mais tarde... - É melhor, assim vou em
casa primeiro. E o que havia sido aquilo? Era o que Marina se perguntava, era
um “encontro”? Depois do expediente, talvez não. Mas e a possibilidade de ir
mais tarde? Ela nunca tinha tido um “encontro”
assim, alguém que ainda não era nada... Ela não sabia entender o que era
aquilo, ele poderia estar sozinho, precisando de uma companhia, ele queria sair
pra jantar, não tinha ninguém. Ou, ele estava mesmo afim. Mas afim como? Afim
de fazer dela sobremesa e depois sumir? Não tinha como sumir. Ou ele queria uma
diversão, amiga de trabalho, quem sabe? Já tinha aceitado, não iria bancar a
louca. O peito se encheu de coragem e determinação, até ter que escolher algo
pra vestir. Encontrou um vestido, marrom com estampas em cobre, era um belo
vestido. Nada tão sofisticado, uma maquiagem simples... Ela não era tão bela,
com rosto que estampava acnes, ficava bem apresentável maquiada. As horas
passaram muito rapidamente, a ponto de não ter se dado conta do desenrolar das
conversas, da escolha do prato. Era como se estivesse bêbada, mas não tombava.
Era como se ela tivesse vivendo tudo aquilo sem aproveitar nada do que tivesse
acontecendo em cada momento. Era como se concentrasse apenas no depois. E até
que, finalmente, chega o depois. A hora de ir pra casa. Ele abre a porta do
carro para Marina, já acostumada com a gentileza, devolve naturalmente um
sorriso. Mas aquele sorriso era ofuscante para ele. Mordeu um sorriso para ela,
meio sem jeito diante dos próprios pensamentos. Ainda falaram do prato durante
o caminho, falaram do casal na mesa ao lado, mas o silêncio predominava e era
agoniante, constrangedor. Ao chegar, ela logo se arrumava pra descer do carro,
sem que ele tivesse desligado. E aquele investimento todo pra que pra fugir
agora assim? Ela não sabia o que fazer, aquela altura tinha medo do que pudesse
parecer, normal para uma garota insegura. Mas ele já se sentia seguro o
suficiente para segurar no seu braço e tascar aquele beijo, que pra ela fora um
tanto precipitado, a ponto de ela não conseguir retribuir da mesma forma. Deu
uma aliviada, e mais duas bitoquinhas. - Preciso ir, amanha ainda é sexta, tem
trabalho, você também precisa. Eh... obrigada, adorei. Disse ela, meio sem
jeito, meio sem querer dizer aquilo. - Até amanha?. - Sim, até amanha. Ela
baixou a cabeça sorrindo. Ele ainda a puxou pela bochecha, dando um último beijo
meio desajeitado, ela já saindo. Dormir aquela noite? Meio difícil... Por que
não deixou se prolongar um pouco mais? Deveria ter dado mais uma bitoca antes
de sair. Mas foi de bom tamanho dizer "até amanha", aquilo tinha o
significado além do “até mais” habitual.