domingo, 26 de dezembro de 2010

A filha única

Meia-noite, um clik da luz, passos de preocupação, uma espiada pela porta. È melhor sair porque ninguém nunca chega enquanto é esperado na porta.  Outro clik e a luz apaga. Um copo d’água e cama. Tentar dormir agora não era a melhor opção pra se acalmar e relaxar. Na tentativa de fazer o tempo passar mais rápido, um cochilo - mas vária imagens e rápidos acontecimentos vinham a mente, o deixando mais preocupado ainda. Seria aquele pesadelo um pressentimento? E porque haveria de ser? Ele não era homem de pressentimentos. Nunca fora de sonhar com algo que viesse a acontecer, e tampouco acreditava nessas coisas. Mas dessa vez o sonho parecia tão real que a possibilidade de acontecer também lhe parecia real. O silêncio daquela noite o amedrontava e o fazia ouvir seus batimentos cardíacos. Um clik, uma espiada, a chave. Um carro se aproximava, poderia ser o táxi. E era um táxi, que passou direto enquanto seu Julião com as mãos no bolso do pijama fazia cara de mau, e tinha motivo para dar uma boa bronca, ela não havia levado o celular. Mas nada...A mão na testa, resmungando. Era melhor sair da porta, entrar e esperar deitado. Deitado não, sentado. E se tivesse mais um pesadelo enquanto cochilava?! E se ela tivesse perdido a chave e ele, num sono profundo a deixasse na porta?! Seria muito arriscado dormir naquela situação. Já eram duas horas.  Deitado no sofá, o barulho da TV disfarçava o silêncio perturbador e evitava que ele abrisse a porta cada vez que um carro se aproximava. As três ele já dormia sobre o sofá, quando ela chegou com o salto na mão pra não fazer barulho. Passou por ele com todo cuidado e foi dormir. Amanhã ele veria sua Drica “dormindo como um anjo” e esqueceria a noite perturbadora que ela o fez passar.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

"Isso também passa"

Lá estava ela de novo, estudando vários textos e escutando qualquer coisa, na tentativa de esquecer o dia anterior. Por mais que tentasse, o perfume e a cor ainda estavam presentes e ainda estariam onde quer que ela fosse, o que quer que fizesse pra tentar esquecer. Jamais deixaria de lembrar até que tudo aquilo passasse de vez.

Não foi uma vez como as outras vezes, não foi uma coisa como as outras coisas, nem era só mais uma de suas crises. Dessa vez, fora diferente e a crise era intensa, tão intensa e profunda que a fazia não se dar conta disso. Nem uma lágrima, nem mesmo um grito abafado pelo travesseiro Bandido. Nada a tiraria daquele estado de nada. As atividades diárias, mais trabalhos automáticos do que qualquer coisa que a deixasse satisfeita. Nem uma dor aparente. Olhos lânguidos e sequer um sorriso amarelo, e ela nem se dava conta disso. Era preferível que ninguém ficasse, o tempo todo, pronunciando palavras de consolo ou mesmo perguntando o que havia e porque estava diferente. A faria lembrar menos vezes da própria tristeza. E quanto mais tentava se afastar para tentar esquecer, pior ficava. Solidão nunca foi remédio para se esquecer da própria dor. Mas se algum dia ela tivesse tido alguém de verdade, e se alguma vez na vida ela não tivesse se sentido só, talvez seria mais fácil entender que precisava da companhia de outras pessoas, além daquele pobre bonsai, que mesmo com todos cuidados já não se desenvolvia mais. Talvez porque a dona já não conversava tanto com ele, já não lhe sorria, ou talvez porque tinha se esquecido de trocá-lo de espaço. Mas ele também já estava triste; a tristeza, assim como a alegria, é contagiosa. A vida estava automatizada, quando ela percebeu que já não agüentava acordar todos os dias, passar café e tomar com biscoitos, colocar uma roupa escura, sem que se preocupasse com combinações, almoçar na rua, e ler textos ao final do dia até que dormisse. Talvez tudo estivesse passando, e estava. Ela mesma se deu conta disso, e nada de radical pra mudar a vida, fez. Num sábado a tarde resolveu ir à livraria, escolheu um livro de seu autor predileto, José Saramago. Ao pagar, sorriu agradecendo o caixa. Depois daquele sorriso, ela ficou rindo, e rindo repetidas vezes. Deixou a livraria a gargalhadas, lembrando-se de o quanto era bom sorrir.